drica rocha.
UN CHIEN ANDALOU (1929)
Esse filme nasceu do encontro de dois sonhos, chegando à casa de Dali, em Figueras, onde fora convidado para passar alguns dias, contei-lhe que sonhara recentemente com uma nuvem fina cortando a lua e uma navalha fendendo um olho. Por sua vez, ele me contou que acabava de ver, em seus sonhos, na noite anterior, uma mão cheia de formigas. Acrescentou: “E se fizéssemos um filme a partir disso?”
Essa proposta inicialmente me deixou em dúvida, mas depressa nos lançamos ao trabalho em Figueras.
O roteiro foi escrito em menos de uma semana, seguindo uma regra muito simples adotada de comum acordo: não aceitar nenhuma idéia, nenhuma imagem que pudesse dar lugar a uma explicação racional, psicológica ou cultural. Abrir todas as portas ao irracional. Só incluir as imagens que nos tocavam, sem procurar saber por quê.
Nunca surgiu a menor contestação ente nós. Foi uma semana de identificação completa. Um dizia por exemplo: “o homem arremete um contrabaixo. “ “Não, dizia o outro. E o que propusera a idéia aceitava imediatamente essa recusa. Sentia que era justa. Em compensação, quando a imagem proposta por um era aceita pelo outro, parecia-nos imediatamente luminosa, indiscutível e entrava incontinenti no roteiro.
Quando terminou, percebi que se tratava de um filme totalmente inabitual, provocativo, que nenhum sistema de produção podia aceitar. Foi por isso que pedi a minha mãe uma quantia de dinheiro para produzir-lo eu mesmo. Convencida, graças à intervenção do tabelião, ela me deu esse dinheiro.
Regressei a Paris. Quando já tinha gasto a metade do dinheiro de minha mãe nas boates onde passava algumas noites, disse a mim mesmo que um pouco de seriedade se tornava agora necessária, que era preciso fazer algo. Entrei em contato com os atores, Pierre Batcheff e Simone Mareuil, com Duverger, o operador, com os estudos de Billancourt, onde o filme foi rodado em quinze dias.
Éramos apenas cinco ou seis no set. os atores absolutamente não sabiam o que estavam fazendo. Eu dizia, por exemplo, a Batcheff : “ Olhe para a janela como se estivesse ouvindo Wagner. Mais patético ainda. “ mas ele não sabia o que estava olhando, o que estava vendo. Tecnicamente, eu já possuía um conhecimento, uma autoridade suficiente, e entendia-me perfeitamente bem com Duverger, o operador.
Dali só chegou três ou quatro dias antes do fim da filmagem. No estúdio, ocupou-se de colocar piche nos olhos das cabeças de asnos previamente empalhadas. Numa tomada, foi um dos irmãos maristas que Batcheff arrasta com dificultade, mas não foi a tomada que finalmente foi montada (já não sei por que razão). Ele é vislumbrado um momento, de longe, acorrendo em companhia de Jeanne, minha noiva, após a queda mortal do herói. No ultimo dia da filmagem, no Havre, Dali estava conosco.
Uma vez terminado e montado o filme, o que fazer dele?
Um dia, no Dome, Thériade, dos Cahiers d’ Art , que ouvira falar do Chien andalou ( eu mantinha um certo segredo junto a meus amigos de Montparnasse), apresentou-me Man Ray. Este acabava de terminar em Hyères, nos Noailles, um filme que se intitulava La mystère du
Château de Dé ( documentário sobre a residência dos Noilles e seus convidados) e procurava um complemento de programa.
Alguns dias depois, Man Ray marcou um encontro comigo no bar do La Couple, e apresentou-me Louis Aragon. Sabia que ambos perteciam ao grupo surrealista. Três anos méis velho do que eu, Aragon exibia todo o donaire das boas maneiras francesas. Conversamos um pouco e eu lhe disse que meu filme, sob certos aspectos, podia ser considerado, ao meu ver, um filme surrealista.
Man Ray e Aragon viram o filme no dia seguinte no studio dês Ursulines. Na saída, muito convictos, disseram-me que era preciso lança-lo, sem mais tardar, mostra-lo, organizar uma pré-estréia.
O surrealismo foi antes de mais nada uma espécie de apelo ouvido aqio e ali, nos Estados Unidos, na Alemnha, na Espanha, na Ioguslávia pelas pessoas que já praticavam uma forma de expressão institiva e irracional mesmo antes de se conhecerem. Os poemas que eu publicara na Espanha, antes de ouvir falar no surrelaismo, comprovam esse apelo que conduzia todos nós para Paris.
Da mesma maneira, Dali e eu, trabalhando no roteiro de Un chien andalou, praticávamos uma espécie de escrita automática, éramos surrealistas sem rótulo.
Havia algo no ar, como sempre acontece. Mas acrescentou também no que me siz respeito, que meu encontro com o grupo foi essencial e decidiu o resto de minha vida....
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